terça-feira, agosto 02, 2005

As origens de um trauma

Com nove anos eu menstruei pela primeira vez. Era uma época de uma moda horrorosa, as meninas usavam dois shorts, geralmente um de lycra por baixo e outro de jeans por cima, essa moda foi a minha salvação porque do contrário certamente ia ser um dos maiores micos da minha vida. Fui jogar no play do prédio e já de tarde cheguei em casa e qual não é meu espanto ao ver que meu short de baixo estava todo sujo de sangue, na hora fiquei atônica, chamei a minha mãe e ela me acalmou. Fiquei tão envergonhada, que implorei a minha mãe para não contar nada pra ninguém. Posso até ver o diálogo:

“Mamãe, você me jura, jura mesmo que não conta pra ninguém?”

“Claro minha filha”

Respirei aliviada, minha mãe decerto não iria me desapontar.

No dia seguinte, ao chegar em casa, escuto minha mãe contando pra alguém o mais novo babado da minha vida, e pior, contando justamente para uma pessoa que eu não suportava, a minha madrinha, pessoa essa que até hoje eu não posso ver nem pintada, que atravesso a rua e vou pro outro lado, como aliás, já fiz.

O desapontamento que eu tive é algo indescritível, uma sensação de estar sozinho no mundo, de ver – com apenas nove anos – que dali para sempre eu não deveria confiar em ninguém. Deixei de confiar na minha mãe com nove anos e considero isso muito grave. Todo aquele castelo da confiança ruiu quando eu entrei em casa e escutei a voz dela, as palavras a dizer justo o que eu pedi tanto para não ser dito.

Olhando de hoje, a história parece infantil, e é, não nego, mas acredito que um pedido deve ser respeitado, sendo mais de uma criança, principalmente sendo uma criança com tantos sonhos e ilusões pela vida afora. Acho que eu fui jogada aos leões da verdade cedo demais.

Esse trauma de não confiar nas pessoas me acompanha desde então, é raro eu falar da minha vida, é raro eu confiar em alguém, aliás, eu nunca confiei em ninguém. Eu sempre tenho um pé atrás, mesmo com os meus amigos, mesmo com as pessoas que eu mais amo. Por alguma razão eu sempre lembro daquele fatídico dia aos nove anos, e daí deixo de falar da minha vida para os outros, muitas vezes páro no meio, não prossigo. O trauma me acompanha desde menina, quando eu gostava de algum garoto, eu guardava pra mim e não contava nem pra melhor amiguinha. É verdade que algumas vezes eu falei alguns segredos, quase sempre me fodi, e isso só servia para reforçar ainda mais o meu pensamento de não confiar em ninguém.

De uns tempos pra cá tenho feito auto-análise diária, com uma meta de consertar os meus defeitos, de superar meus traumas e de melhorar minha relação com as pessoas. Eu tentei, sabe, eu fiz a minha parte, eu tentei.

Quando eu fui pra Minas, eu fui por um motivo sério, sem essa de fui-visitar-meus-parentes, ninguém larga semestre na faculdade pra visitar parentes no cu do Judas. A princípio eu não contaria a nenhum dos meus amigos, mesmo os mais chegados, sobre os motivos da viagem, inventaria uma mentira qualquer e foda-se. Em algum ponto desse meu plano bateu uma culpa, eu me senti péssima como amiga. Que espécie de amigo esconde as coisas? Que espécie de pessoa eu era pra mentir tão escrotamente pras pessoas que eu mais amava? Meu arrependimento foi só de pensar em mentir, isso fez com que eu voltasse atrás e decidisse contar a verdade. Chamei um a um, os amigos do círculo fechado, e contei para eles os motivos da viagem, pedi compreensão e pedi segredo, não queria que a história vazasse.

Senti-me leve ao contar, vi naquele momento que o meu trauma estava um pouco superado, afinal eu tomara coragem e finalmente confiava nas pessoas.

Grande ilusão.

Desde que voltei de Minas só vejo decepção atrás de decepção. Todas, absolutamente todas as pessoas nas quais confiei, deram com a língua nos dentes. Algumas tiveram a decência de me dizer antes que eu descobrisse e outras tiveram a covardia de se calar. Será que é tão difícil guardar um segredo? Porque eu acho que não é, se você me conta uma coisa, ela vai morrer comigo e eu não tenho dificuldade em administrar segredos. Os outros, pelo visto, sim.

Só digo que hoje eu me sinto aquela menininha de nove anos, abandonada, desamparada, sozinha de novo.

(Post para os filhos da puta nos quais confiei e hoje, não mais. Não adianta pedir desculpas, a merda já está feita, mas é bom porque aí eu aprendo de vez, segredo não é mais segredo quando partilhado com alguém)